Pitito – O que é a morte?
Imagine um copo com água. Essa água é o oceano. Então, uma gota é retirada do copo, se distancia da água – essa gota “separada” é você. Por 30, 90, 100 anos… ela fica separada e, de repente, volta para o oceano, plop! – desaparece ali novamente. Mas ela sempre foi aquilo, apenas com a experiência de parecer ser diferente.
E o que acontece quando a gota volta para dentro da água? Ela desaparece, se dissolve. E não fica nada. Nem memória, nem nada.
No fundo, nós, essa aparência, apenas parecemos ser uma pessoa, mas somos esse nada manifesto como uma pessoa, como uma gota. E essa gota, em algum momento, vai voltar para o nada, para o oceano, para o todo, para o infinito.
É isso. Por um tempo, você brinca de gota – sofre, faz um drama – e volta para o oceano. É isso o que acontece.
Mas a essência está em todas as gotas. Todas, independentemente da forma – pedra, cachorro, pessoa, elefante, árvore… –, contêm essa mesma essência. É tudo, essencialmente, o mesmo, mas parece diferente aos nossos olhos. Vemos diferente, pensamos diferente, mas é só uma ilusão temporária.
Isso que nunca morre sempre vem e vai. Vem e vai. Vem e vai. Então pode-se dizer que, entre essas idas e vindas, estivemos aqui muitas vezes – por muitas vezes fomos gotas separadas – em formas diferentes. Apenas não guardamos a memória, porque isso não tem memória, é vazio.
A memória da nossa vivência existe enquanto estamos vivendo, inclusive como imaginação. A forma tem uma memória – nascida em um determinado lugar, etc. – mas tudo isso vai se perdendo, vai sendo esquecido. É isso o que acontece com os mais velhos. A criança não sabe, ela não tem memória. Mas à medida que cresce, vai adquirindo memória, até que chega um momento em que começa a perder memória de novo… e, de repente, nem sabe quem é, nem onde está… Não é sempre que acontece, alguns ficam lúcidos até o final, mas eventualmente ocorre.
Você não nasceu Iara. Quando nasceu, não sabia nada, não tinha nenhum conteúdo. Então lhe deram o nome, e assim começa essa história de Iara. Até que, primeiro, o corpo vai desaparecendo, vai se desfazendo e uma hora desconecta. Plop. A mente, essa memória da Iara, fica um tempo mais na área, ao redor de onde ela viveu, das pessoas que estavam com ela, que a queriam muito… Por um tempo, fica uma memória. Mas isso também desaparece. É por isso que não lembramos do nosso tataravô, por exemplo. Ninguém lembra. Ele já se foi. A sua existência já desapareceu. Voltou para o nada.
Então, isso que chamamos de “nós” e de “vida” é só uma aparência, uma ocorrência que depois deixa de acontecer. Retorna. Sempre voltamos para o lugar de onde viemos.
Iara – Vivemos de aparências, né?
Totalmente. Boa ideia! É só aparência. Porque, no fundo, tudo é a mesma coisa. Somos feitos do mesmo. Tudo é o mesmo. Na linguagem popular, cristã, se diz que “Deus é o todo”. Mas o problema é que isso se confunde com a ideia de que Deus seja uma pessoa com barba longa e tal… mas não tem nada disso!
Para compreender melhor, observe o mar. Ele é vasto e, tanto aqui no Brasil, quanto na África é o mesmo mar, igualmente salgado. Lá na Arábia Saudita, na Índia, no norte do Atlântico, no norte do Pacífico, no Pacífico… é tudo salgado, é o mesmo mar, é a mesma coisa! E da beira do mar, podemos ver as ondas… cada onda é diferente uma da outra, e todas parecem estar separadas do mar, mas é o mar, ele mesmo, que ondula e retorna. E é isso o que somos: uma onda – que aparece, sobe devagarinho, fica lá em cima, toma um tempo e, de repente, cai e desaparece, se mistura novamente. No frigir dos ovos não há nada. É só uma onda que apareceu e desapareceu.
Por circunstâncias, a vida aparece como um drama. Maiores ou menores, todo mundo tem um drama. Estar separado do oceano, estar gota é um drama; como você lida com isso depende de você. Depende de como a sua “alma” vê as coisas.
De tanto uso e tanto abuso, o corpo vai perdendo a capacidade – porque é uma luta: tomar banho, pagar aluguel, fazer comida… – e, então, você tem que devolvê-lo. A morte é uma devolução. O corpo descansa. Retorna ao oceano. E depois de um tempo lá, mergulhado no vazio, outra onda surge. Mas não é você, Iara. A essência surge como outra onda, com outro nome, com outra forma, com outra experiência. Há muitas teorias, mas não nos interessa para entendermos o simples: tudo é o oceano, que vai e volta… E um dia o corpo dorme de sapatos.




